Quando a agricultura de precisão começou a gerar os primeiros dados nas lavouras brasileiras, no começo dos anos 2000, as decisões eram tomadas em ambiente off-line. As informações sobre a variabilidade das áreas agrícolas continuam sendo a base para prever correções assertivas do solo. A diferença é que as análises hoje se conectam com plataformas que vão de aplicativos de celular a softwares mais complexos — na era onde o digital impera.
— A agricultura digital, ainda em estágio inicial de disseminação no país, trouxe mais ferramentas para considerar a variabilidade das áreas agrícolas — explica Márcio Albuquerque, presidente da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão do Ministério da Agricultura.
Também chamada de Agricultura 4.0, a transformação no campo nada mais é do que a digitalização de todo o conhecimento produzido por análises de solo, máquinas, equipamentos e sensores, explica o dirigente:
— Essas novas tecnologias estão aí justamente para coletar, organizar e interpretar esses dados.
Com ajuda de ferramentas digitais, produtores conseguem acompanhar as operações nas lavouras em tempo real, além de gerenciar custos e investimentos na propriedade.
— As novas plataformas e o processamento de informações na nuvem estão permitindo uma gestão com controle muito rígido de entradas e saídas e de medição da eficiência dos processos que até então não se tinha ideia — explica Telmo Amado, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Na propriedade da família Carmo, em Pontão, no norte do Rio Grande do Sul, a agricultura de precisão foi introduzida em 100% da área de 650 hectares na safra 2009/2010. Os primeiros resultados da correção de solo começaram a ser colhidos quatro anos depois – quando Diones Carmo, 52 anos, e o filho Diones Carmo Júnior, 28 anos, sentiram a necessidade de buscar outras ferramentas para continuar aumentando a produtividade dos grãos. Uma delas foi o plantio de milho e de soja à taxa variável de semente por talhão.
— A complexidade dos dados foi aumentando com informações de solo, de taxa de plantas. Passamos então a usar um software de gestão para ajudar na tomada de decisão e no controle de custos para avaliar o retorno dos investimentos — conta Júnior, formado em Agronomia.
Com o software de gestão há três anos, e agricultura de precisão há quase uma década, a produtividade média das lavouras de soja saltou de 55 sacas para 80 sacas por hectare — crescimento de 45%. No Estado, a média da última safra foi de 53 sacas por hectare. No milho, o produtor aumentou 25% o rendimento, passando de 160 sacas por hectare para 200 sacas. A média estadual do último ciclo foi de 125 sacas.
— A gestão também precisa ser digital. Estamos entrando em um período de rastreabilidade para ter domínio de todas as operações, do plantio à colheita — detalha Júnior, que no inverno cultiva trigo e aveia branca e preta.
Para isso, a família Carmo eliminou quase a totalidade de planilhas em papel e em Excel. A propriedade ainda não conseguiu ser 100% digital por problemas de conectividade, de máquinas que não conversam entre si à deficiência do sinal de internet. Sem conexão, as estatísticas geradas por equipamentos são salvos de forma off-line. De um pen drive, após o término das operações, as informações são jogadas na nuvem.
— Esse delay nos impede de gerar relatórios e agir em tempo real. As tecnologias agrícolas avançam, mas a infraestrutura no Brasil não acompanha — lamenta o produtor.
Com uma ferramenta digital para reunir todos os dados gerados na lavoura de 500 hectares em Chapada, no norte do Estado, a produtora e agrônoma Luciane Rheinheimer, 47 anos, está organizando as informações do rendimento da produção à gestão. Ao lado da irmã, a administradora Lucimara Rheinheimer, 44 anos, está formando um banco de conhecimento para possibilitar investimentos assertivos na propriedade.
— Hoje o nosso maior desafio é alimentar essa plataforma com uma imensidão de dados. É um processo trabalhoso, de muita dedicação — afirma Luciane.
Há nove anos, as irmãs vêm investindo em fertilidade do solo com a agricultura de precisão e na profissionalização dos processos. Nos últimos cinco anos, a produtividade média da soja aumentou 35%.
— Isso é decorrente dos investimentos em fertilidade, manejo e genética. Isso tudo nos ajuda a tomar decisões direcionadas aos gargalos da propriedade — detalha a produtora.
As irmãs assumiram o negócio após a morte precoce do pai, há 18 anos. Na época, no começo dos anos 2000, a fazenda tinha apenas dois anos.
— Quando assumimos, tivemos um ano de safra normal e depois sucessivas estiagens, entre as quais a pior da história, em 2005. Isso nos fortaleceu e nos ajudou a ter cuidado com os investimentos, especialmente os imobilizados — lembra Luciane.
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/campo-e-lavoura/noticia/2019/10/da-nuvem-para-a-terra-agricultura-digital-avanca-no-rs-ck1b3uq3l02q101n311tvnnke.html