Pesquisa adapta cultivar de uva rosada para o Semiárido

O Semiárido Nordestino, principal região produtora e exportadora de uvas de mesa do Brasil, conta agora com mais uma cultivar para se diferenciar no mercado: a uva BRS Melodia. Desenvolvida pelo Programa de Melhoramento Genético “Uvas do Brasil”, coordenado pela Embrapa, ela levou duas safras para receber um protocolo de manejo especial para a região do Vale do Rio São Francisco.

Desenvolvida originalmente para regiões de clima temperado e lançada em 2019, a BRS Melodia chamou a atenção do setor produtivo que, em parceria com a Embrapa, contribuiu com a validação do sistema de cultivo para a região tropical. Ela partilha o nicho de mercado explorado pela BRS Vitória, a primeira cultivar de uva da Embrapa a se tornar um ícone da viticultura da região, ao quebrar vários paradigmas e ganhar espaço no mercado internacional.

Lançamento on-line

O lançamento das recomendações de manejo acontecerá no próximo dia 20 de outubro, durante evento híbrido promovido pela Embrapa e Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) na cidade de Petrolina (PE), com transmissão pelo canal da Embrapa no Youtube.

O trabalho de levar a uva ao Vale do São Francisco

“As cultivares de mesa desenvolvidas pela Embrapa são bastante adaptadas às condições brasileiras, mas sempre antes de recomendar uma nova cultivar para uma região, é feita a validação em parceria com técnicos e produtores”, explica a pesquisadora Patrícia Ritschel, uma das coordenadoras do Programa de Melhoramento “Uvas do Brasil”.

Ela conta que a validação da BRS Melodia começou no Vale do São Francisco em 2019, em parceria com 12 produtores, em cujas áreas foram plantadas cerca de 50 mudas para testar os sistemas de condução, como latada e Y e espaçamento entre as plantas. No Semiárido, em especial, a equipe trabalhou intensamente para ajustar as indicações de poda, para melhorar a expressão da fertilidade de gemas, e o manejo dos cachos, para garantir a ausência de sementes, o sabor e a uniformidade da cor rosada, que passa a ser vermelha, com o uso de bioestimulantes à base de Etefon e Ácido Abscísico, produtos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

“A viabilidade da produção da BRS Melodia com essa cor vermelha uniforme só foi possível com o uso desses bioestimulantes, sem eles ela fica bicolor, uma característica que não é muito bem aceita pelo mercado”, revela a pesquisadora. Ela relata que em todas as regiões nas que foi testada, incluindo o norte do Paraná (Marialva-PR e Uraí-PR), a Serra Gaúcha (RS), e o Vale do São Francisco, a cultivar apresentava grande dificuldade para alcançar coloração adequada. Esse problema foi resolvido a partir de pesquisas e a aprovação de novos produtos pelos órgãos reguladores.

As informações coletadas por pesquisadores, produtores e técnicos ao longo do período deram origem ao sistema de manejo disponível na publicação: BRS Melodia: manejo da cultivar de uva rosada, sem sementes, com sabor gourmet, para produção na região do Submédio do Vale do Rio São Francisco. Ela traz as principais orientações para garantir o êxito da produção da cultivar na região, desde a escola do porta-enxerto até recomendações da pós-colheita da fruta. Além da publicação, a equipe técnica e convidados produziram uma série de vídeos para ajudar na divulgação dessas informações, que estão disponíveis em uma playlist especial no Youtube.

Pesquisadores e produtores trabalhando juntos

Os pesquisadores relatam que a parceria com produtores e técnicos tem sido fundamental para dar agilidade nas entregas da Embrapa, como a validação técnica e mercadológica da BRS Melodia, realizada de forma simultânea. “É uma verdadeira parceria ganha-ganha. A Embrapa tem a tecnologia e o setor produtivo tem a agilidade necessária para que a apropriação, ajustes no manejo e nos ganhos de competitividade também sejam céleres”, pontua Marcos Botton, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Uva e Vinho, que lidera diferentes ações contratuais relacionadas ao Programa de Melhoramento Genético Uvas do Brasil. 

Botton destaca que outras iniciativas em parceria com o setor produtivo também estão sendo conduzidas na região para a validação de novas seleções. “A intenção da Embrapa é oferecer continuamente novas alternativas para ampliar ainda mais a competitividade da viticultura brasileira”, destaca.

Os produtores interessados em cultivar a BRS Melodia deverão adquirir mudas junto aos viveiristas licenciados pela Embrapa. Isso irá garantir a qualidade do material que está sendo cultivado e evitará a pirataria. A BRS Melodia é uma cultivar inscrita no Registro Nacional de Cultivares sob o no 39139 e protegida no Serviço Nacional de Cultivares sob o no 21190153.

Além da proteção no Brasil, atendendo a uma demanda da Abrafrutas, a Embrapa está trabalhando para realizar a proteção internacional da cultivar em países estratégicos, considerados os principais concorrentes na produção e comercialização das uvas, como União Europeia, Chile, Peru, África do Sul, Austrália, México e China. “Como estratégia de negócio, entendemos que é importante proteger a tecnologia de forma que ela seja apropriada pelos viticultores brasileiros, e que se amplie a participação das frutas brasileiras no mercado mundial”, destaca Botton.

Ele complementa que o modelo adotado pela Embrapa, de licenciamento para produção e comercialização de material propagativo, no qual a Empresa recebe dos viveiristas licenciados taxa de royalties de 7% sobre a produção efetivamente comercializada de mudas, é bastante vantajoso para o produtor nacional em relação às empresas de genética estrangeiras que adotam modelos de cobranças de taxas tecnológicas no produto final além de restringir áreas de cultivo. “O modelo atual praticado pela Embrapa garantiu que pequenos produtores da região ocupassem um espaço no mercado, algo antes bem mais desafiador. Isso tem um retorno social importante para a região”, pontua Botton frisando que a Empresa continua estudando novos modelos de negócios visando ampliar a competitividade da genética brasileira.

Portfólio de uvas sem sementes

A BRS Melodia é “irmã” da cultivar BRS Vitória, ambas as cultivares são resultados da mesma linha de cruzamento. Além delas, o portfólio de uvas sem sementes da Embrapa para a região tropical conta com a BRS Isis, também conhecida no exterior como Iris.

As três cultivares podem ser cultivadas com poucas alterações no sistema de manejo, garantindo duas safras anuais, chegando à marca das 50 toneladas por hectare por ano. “Diversidade e novidade são questões importantes para conquistar e manter compradores de uva. Além disso, a característica de ser sem semente tem ganhado cada vez mais espaço no mercado”, comenta Gabriel Vicente Bitencourt de Almeida, engenheiro-agrônomo e chefe da Seção do Centro de Qualidade Hortigranjeira da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). 

500 mil mudas plantadas este ano

Sua cor rosada intensa, que passa a ser vermelha, a ausência de sementes, a alta produtividade, a textura e a crocância da baga e o sabor de frutas vermelhas são algumas das características citadas pelos produtores que a aprovaram. “Nossa expectativa é que a [BRS] Melodia vai emplacar muito bem no mercado. Eu arriscaria a dizer que ela pode ser mais preferida do que a [BRS] Vitória. Acredito muito no potencial dessa cultivar”, afirma o consultor Newton Matsumoto. Ele foi um dos produtores responsáveis pelos testes da cultivar e comenta que a variedade surpreendeu, pois não se acreditava que iria expressar essa cor rosada intensa, característica desejada, mas difícil de ser obtida, em função do clima quente. Somente a referência do consultor à preferência em relação à BRS Vitória já é uma alta aposta. A BRS Vitória foi a primeira cultivar de uva brasileira a se tornar ícone da viticultura da região e ganhar espaço no mercado internacional.

Segundo levantamento realizado junto aos dois viveiristas licenciados para comercialização de mudas da cultivar na região, Petromudas e RKF, são cerca de 450 mil mudas comercializadas e que serão plantadas neste segundo semestre. Isso significa aproximadamente 300 hectares, que no próximo ano vão produzir uvas BRS Melodia.

“Os viticultores do Vale do São Francisco estão sempre em busca de novidades que irão agradar os consumidores e compradores brasileiros e internacionais. Esses diferenciais é que fazem conquistar novos mercados”, comenta Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas. Ele destaca que a BRS Melodia será um importante ativo para a abertura de novos mercados, como o Chinês, comprador promissor com o qual o governo brasileiro está na fase final das tratativas. Ele complementa que acompanhou, como produtor, o processo de adaptação da cultivar no Vale do São Francisco e que a BRS Melodia tem grandes chances de ser uma das variedades ícones brasileiras para a conquista e manutenção de mercados no exterior.

“A BRS Melodia pode ser produzida ao longo de todo o ano, com duas safras anuais, aproveitando as janelas do nacional e internacional e ela complementa o portfólio de uvas para a região”, ressalta o chefe-geral da Embrapa Uva e Vinho, Adeliano Cargnin, ao dizer que desenvolver opções mais competitivas aos viticultores brasileiros é um dos principais objetivos do Programa de Melhoramento Genético Uvas do Brasil.

O desempenho pós-colheita é, também, uma das vantagens competitivas dessa cultivar. As avaliações conduzidas pela pesquisadora Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, da Embrapa Semiárido, demonstram que as uvas podem ser armazenadas a uma temperatura de 0º por um período superior a 40 dias. “Durante essa fase, a cultivar tem apresentado variações mínimas no teor de sólidos solúveis, na firmeza de suas bagas e na turgidez do engaço, demonstrando um alto potencial de armazenamento a longo prazo”, destaca.

Auxiliadora aponta que “as principais características de qualidade na cultivar BRS Melodia são o teor de sólidos solúveis, que supera 18º Brix, a acidez moderada, a alta firmeza das bagas e o predomínio de pigmentos vermelhos – embora estejam associados a pigmentos amarelos -, além do sabor diferenciado dessa cultivar”. 

Expandir mercado para a Ásia

O Brasil é o terceiro maior produtor de frutas no mundo, porém, exporta somente 2,5% da sua produção. A produção de uvas frescas na região do Vale do São Francisco, localizada nos estados da Bahia e de Pernambuco, tem na exportação de frutas um dos seus pilares de sustentação econômica. Reino Unido, Estados Unidos, Holanda e Espanha são os principais destinos respondendo por cerca de 90% do volume exportado.

Segundo Jorge de Souza, gerente técnico de Projetos da Abrafrutas, a uva passou a fazer parte de um grupo seleto das seis mais importantes frutas que exportamos. “Destas, 90% são produzidas no Nordeste, no Vale do São Francisco e, para tanto, foi um fator decisivo melhorar a competitividade atendendo os padrões do mercado internacional, especialmente ao oferecer sabores diferenciados, como a BRS Vitória e a BRS Melodia”, celebra ele. Somente no biênio 2018-2019, este mercado cresceu cerca de 4%.

“O sabor diferenciado das uvas da Embrapa ajuda a abrir portas e garantir espaço nas janelas comerciais de importantes mercados. Em 2020, as exportações corresponderam a 12% do faturamento em relação a outras frutas, aproveitando a oportunidade através de ações inovadoras, posicionamento de produto em períodos estratégicos e, em especial no hemisfério norte, melhorar esse desempenho”, destacou. Com isso, pretendemos consolidar a uva como uma das frutas mais rentáveis na exportação.

Para o futuro, Souza reforça a importância da expansão para o mercado asiático como fator crítico de sucesso no aumento das exportações. “O segredo será a diversidade e sabor o sabor das cultivares, como as desenvolvidas pela Embrapa, que permitem aos grandes e pequenos produtores acessarem o mercado premium nacional ou de exportação. São uvas de alta qualidade que estão criando um círculo virtuoso de desenvolvimento para esse crescimento”, avalia.

A produção da BRS Melodia pelo Brasil

A BRS Melodia já está validada e com recomendações de manejo para as regiões de clima temperado e tropical. Em todas as regiões apresentou boa produtividade, chegando a 25 t/ha/safra, sendo que em regiões tropicais é possível realizar duas safras por ano e garantir o dobro da produção na mesma área. Ela se apresenta como uma alternativa com o dobro da produtividade à cultivar vermelha sem sementes de domínio público disponível até o momento, a tradicional Crimson Seedless, que produz somente uma safra anual de 25 a 30 toneladas por hectare.

Na região Sul, a sua produção só é possível com o uso de cobertura plástica no parreiral, que evita o problema de rachaduras de bagas pela ocorrência de chuvas durante a maturação. Em condições de clima temperado, nas quais é possível a obtenção de somente uma safra por ano, acontece o alongamento dos cachos e aumento das bagas.

No Vale do São Francisco, a ausência de inverno e o clima quente e mais seco permite o cultivo convencional, sem cobertura plástica, oportunizando que o produtor faça o escalonamento das podas e das colheitas conforme as oportunidades de mercado que ele considerar mais vantajosas.

Em função dessas qualidades, a nova cultivar deverá enriquecer a matriz produtiva das uvas de mesa, gerando mais empregos e renda na região, possibilitando atender o mercado interno e externo ao longo de todo o ano, com excelente potencial para explorar as janelas comerciais.

Publicado originalmente em: https://www.agrolink.com.br/noticias/pesquisa-adapta-cultivar-de-uva-rosada-para-o-semiarido_457358.html